quarta-feira, 31 de maio de 2017

Dez cidades para visitar nas férias e aprender História do Brasil

A viagem de férias pode ser uma grande oportunidade para estudar a História do Brasil. Mostramos para você dez cidades que são excelentes opções!

É bem verdade que não há instrumento melhor para promover o aprendizado do que os livros, mas existem ferramentas que podem auxiliar os estudantes. Filmes, debates, laboratórios e aulas de campo podem ajudar bastante na relação entre professor e aluno.
Outra possibilidade é a busca por conhecimento durante as férias, seja na sua cidade, seja em um roteiro de viagem programado. As grandes cidades brasileiras contam com atrações turísticas que ajudam a conhecer a história da região e do país.
Se a intenção é aproveitar a folga para realizar uma viagem, vale a pena conferir as atrações culturais que a cidade de destino oferece. Para ajudar, a Academia Virtual de História em parceria com o Mundo Educação listou dez cidades que ajudam a contar a história do Brasil.
1. Porto Seguro - Bahia
Localizado no litoral sul do estado Bahia, o município de Porto Seguro é considerado o marco do Descobrimento do Brasil, pois foi lá que, no ano de 1500, os portugueses aportaram pela primeira vez no continente sul-americano. Além da exuberante beleza das praias, a cidade conta ainda com algumas construções históricas que datam do século XVI. O Monte Pascoal também revela muita história, pois foi ele o primeiro sinal de terra avistado pelos portugueses.
2. Salvador
Também localizada no litoral baiano, a cidade São Salvador da Bahia de Todos os Santos, a atual Salvador, já foi capital do país durante o período em que o Brasil era colônia de Portugal. O Pelourinho, o Farol da Barra e a Igreja do Senhor do Bonfim revelam as belezas da história da capital baiana e do país. Salvador conta também com diversas praias e patrimônios naturais.
3. Rio de Janeiro
Outra cidade que também já foi capital brasileira, o Rio de Janeiro é uma das principais atrações também para turistas estrangeiros. Na capital fluminense, conhecida por Cidade Maravilhosa, o Museu Histórico Nacional, a Ilha Fiscal, o Paço Imperial, o Jardim Botânico e a Igreja Nossa Senhora da Glória retratam parte da história local e nacional.
No Rio de Janeiro, está localizado também o Cristo Redentor, uma estátua de 38 metros de altura que é considerada uma das Sete Maravilhas do Mundo. Além disso, a Praia de Copacabana, o Pão de Açúcar e a Floresta da Tijuca completam os pontos turísticos com belezas naturais.
4. Ouro Preto - Minas Gerais
As ladeiras da histórica Ouro Preto, no interior de Minas Gerais, narram muitos fatos importantes. Cenário da Inconfidência Mineira, a cidade que antes se chamava Vila Rica abriga obras barrocas do artista Aleijadinho e construções do século XVI. A Unesco tombou a cidade como Patrimônio Histórico da Humanidade em 1980.
5. Olinda - Pernambuco
Considerada cidade-irmã da capital pernambucana (Recife), a cidade de Olinda funcionou como sede da Capitania e também do Estado de Pernambuco até 1827. Além da beleza das praias do Nordeste, Olinda abriga diversos casarões históricos, como o Convento São Francisco, que foi construído em 1585 e é o convento franciscano mais antigo do Brasil.
6. São Luís - Maranhão
A capital maranhense revela características ausentes na maioria das demais capitais brasileiras, assimilando a cultura francesaholandesa e portuguesa. As construções da cidade, algumas do século XVI, contam parte da história da ocupação europeia no Brasil. São Luís conta ainda com diversas praias como pontos turísticos e fica a 250 km dos famosos lençóis maranhenses.
7. São Cristóvão - Sergipe
Localizada na Região Metropolitana de Aracaju, a cidade de São Cristóvão foi capital sergipana até 1855. A influência espanhola marca os traços do conjunto arquitetônico colonial preservado na cidade. Entre os pontos históricos, está a Praça de São Francisco, tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.
8. São Miguel das Missões - Rio Grande do Sul
Em suas missões para catequizar os índios, os Padres Jesuítas criaram a Redução de São Miguel Arcanjo, onde hoje existe um grande sítio arqueológico. O acervo histórico de São Miguel das Missões, no interior gaúcho, reúne as ruínas de uma igreja e imagens sacras feitas pelos Índios Guarani.
9. São Paulo
A maior cidade do Brasil, São Paulo, conta hoje com mais de 11 milhões de habitantes. O grande desenvolvimento urbano da cidade levou embora parte de seu acervo histórico, mas é impossível pensar a história do país sem passar pela capital paulista. O Museu do Ipiranga, o Monumento à Independência e a Estação da Luz ajudam a contar parte das memórias do país.
10. Brasília
Uma das cidades mais jovens do país, a capital federal foi projetada na década de 1950 e reúne um grande e moderno projeto arquitetônico elaborado por Oscar Niemeyer. Em toda a cidade é possível ver prédios e estruturas com curvas bem peculiares.
Entre as atrações turísticas da cidade, está a Praça dos Três Poderes, que revela, em uma visita guiada, as principais características da república. A Catedral de Brasília, a Ponte JK, o Parque da Cidade e o Estádio Nacional guardam outras belezas do Planalto Central.

Fonte: Site Mundo Educação.

Judeus alemães e a Primeira Guerra.


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Texto de Deutsche Welle

Sempre discriminados, judeus alemães viram na Primeira Guerra a chance de finalmente provar seu patriotismo. Mas a propaganda antissemita fez deles bodes expiatórios para a derrota, preparando caminho para o Holocausto.

O soldado está sozinho na trincheira, de feição séria e rifle em punho, mirando o horizonte longínquo, lá onde o inimigo aguarda. Contudo, de acordo com esse cartão postal antissemita da Áustria, de 1919, o suposto "perigo verdadeiro" se encontra às suas costas. Uma figura vestida de branco se aproxima por trás, empunhando uma faca. Sorridente, ela se prepara para apunhalar o soldado, "traiçoeiramente, pelas costas".

Lenda da "punhalada pelas costas" 
Mesmo sem a estrela de Davi no chapéu ou sem peiot (cachos laterais característicos dos ortodoxos), para os alemães e austríacos da época estava mais do que evidente que o suposto assassino traiçoeiro, nesse cartão-postal difamador, era um judeu. Repletos de ódio e preconceitos, os antissemitas divulgavam em seus panfletos e desenhos sempre os mesmos estereótipos desumanizadores: com os supostamente típicos lábios carnudos e nariz grande "de judeu".

Além disso, o desenhista do cartão-postal retrata a figura, evidentemente masculina, com vestido e seios de mulher. Isso porque, para a propaganda antissemita, os judeus eram covardes, traidores e – justamente – "afeminados". Contudo é o gesto anunciado neste cartão-postal que representa o maior – e completamente falso – mito surgido após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918: a "lenda da punhalada pelas costas".

Segundo a versão do herói de guerra e futuro presidente da Alemanha (1925 a 1934) Paul von Hindenburg, o Exército alemão permanecera invicto no campo de batalha, mas teria sido "apunhalado nas costas por oposicionistas apátridas". O fato é que durante anos a propaganda alemã prometera vitória à população, mas quando despontou a ameaça da derrota, militares e políticos responsáveis quiseram se eximir de culpa. E logo se encontrou um bode expiatório: os judeus.
Patriotismo e judaísmo.

Ao eclodir a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, o então imperador Guilherme 2º declarara: "Para mim, são todos alemães!". Muitos judeus torceram para que a afirmação se provasse verdadeira. Até então, apesar da igualdade atestada por lei, os judeus da Alemanha costumavam ser tratados como cidadãos de segunda classe. Por toda parte, esbarravam em discriminação e rejeição.

Era praticamente nula, por exemplo, a presença judaica no alto escalão do Exército. Assim, com a eclosão da guerra, muitos acreditaram que teriam a chance de provar seu patriotismo e refutar os odiosos preconceitos antissemitas.
"Aos judeus alemães! Nesta hora decisiva para seu destino, a pátria convoca todos os seus filhos a se alistarem!", conclamava, por exemplo, a Associação Central dos Cidadãos Alemães de Fé Judaica a seus membros, ao início da guerra. "Camaradas de fé! Nós os convocamos para dedicar vossas forças à pátria, para além do limite do dever cívico", prosseguia o texto.

De fato, cerca de 100 mil judeus alemães lutaram na Primeira Guerra Mundial. E, como esperado, a perseguição antissemita diminuiu com o início dos combates – reprimida pela censura do Estado, o qual, em sua política de paz civil (Burgfriedenpolitik), recolhia os panfletos de incitação popular.

Contagem falsificada.

Com o decorrer da guerra, no entanto, organizações antissemitas, como o Reichshammerbund (Liga do Martelo do Reich), voltaram a reforçar a instigação contra os judeus. Inúmeras petições alcançaram, por exemplo, o Ministério prussiano da Guerra: supostamente constatou-se um nível de abstenção do serviço militar desproporcionalmente alto entre os judeus, os quais, portanto, estariam se esquivando do "serviço à pátria".

A propaganda antissemita vingou: em outubro de 1916, o ministro da Guerra ordenou um recenseamento dos judeus conscritos presentes no Exército, que entrou para a história comoJudenzählung (contagem dos judeus). A medida causou indignação entre os muitos soldados judeus. "Deus nos livre! Então é para isso que a gente arrisca a cabeça pelo nosso país", protestou, por exemplo, o soldado judeu alemão Julius Marx.

O resultado da "contagem" nunca foi divulgado. Na realidade, as 30 mil condecorações de bravura concedidas a judeus comprovam o quanto a propaganda antissemita era falsa. Mas o estrago estava feito: panfletos antissemitas difundiam frases como "A cara sorridente deles está por toda parte, menos nas trincheiras". Ao mesmo tempo, os judeus eram acusados de ter lucrado com a guerra.

Bodes expiatórios.

"Às mães alemãs" dirigiu-se, por sua vez, a Federação do Reich dos Soldados Judeus no Front, em 1920. No cartaz, uma mãe de luto está sentada ao pé de um túmulo ornamentado com a Cruz de Ferro, de mérito militar: "Mães alemãs, não tolerem que as mães judias sejam escarnecidas em sua dor." "Doze mil soldados judeus tombaram nos campos de batalha pela honra da pátria", diz a lápide.

A mensagem é que soldados judeus e não judeus haviam lutado juntos e sido enterrados em "terras estrangeiras". Por fim, o cartaz se dirige contra a perseguição antissemita: "O ódio partidário cego não se detém diante dos túmulos dos mortos." A referência é, em grande parte, à "lenda da punhalada pelas costas", que a essa altura já era amplamente conhecida na população. Judeus, socialistas e democratas serviam como bode expiatório pela derrota na guerra.

Após o colapso do Reich Alemão, fundou-se a democrática República de Weimar, rejeitada por muitos alemães. O jovem Estado foi escarnecido como "República dos Judeus" e seus representantes tornaram-se vítimas de violência e atentados.
O ministro do Exterior Walther Rathenau morreu num ataque de extrema direita, em 1922. Antes, porém, as tendências homicidas contra o político de origem judaica haviam sido encorajadas por palavras de ordem do gênero "Porco judeu, o Rathenau, matem ele a golpes de pau".

Na propaganda nazista, por fim, o clichê do judeu se tornou símbolo para tudo que os populistas de extrema direita rejeitavam: derrota na guerra, revolução, socialismo, democracia. Após a tomada do poder pelos nazistas, começou uma perseguição aos judeus sem precedentes na história, que culminou no Holocausto. E neste, a desumana propaganda antissemita, difundida há tanto tempo, desempenharia um papel fundamental.


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terça-feira, 30 de maio de 2017

ARTIGO - A IMPRENSA JORNALÍSTICA PORTO-ALEGRENSE E OS ÚLTIMOS DIAS DO GOVERNO JOÃO GOULART

Dia seguinte ao discurso na Central do Brasil.



Resumo

Este artigo procura analisar comparativamente o discurso jornalístico porto-alegrense a respeito do governo de João Goulart e como a imprensa gaúcha se posicionou em relação ao seu governo. Os jornais analisados são: Diário de Notícias e Última Hora. A escolha destes dois jornais ocorreu em função da visão antagônica que tiveram do período. O referencial teórico adotado é o da Análise do Discurso e os autores de referência são Raoul Girardet e Eni Puccinelli Orlandi. A análise ocorrerá com a comparação dos discursos dos referidos jornais em comparação à historiografia sobre o período.

Palavras-chave: Imprensa porto-alegrense. João Goulart. Golpe de 1964.


1 Introdução

O governo e a deposição de João Goulart são de fundamental importância para a compreensão de como as forças conservadoras de direita abriram espaço para a chegada ao poder através do Golpe de 1964. A análise aqui apresentada é fundamentada na bibliografia disponível sobre o período e na análise de dois dos principais jornais porto-alegrenses da época: o Diário de Notícias e a Última Hora, ou seja, nossa análise está focada no olhar da mídia gaúcha sobre o governo João Goulart. A escolha destes dois jornais se deu pelo fato de que os dois terem posições políticas opostas a respeito do governo Goulart. A baliza temporal do artigo está nos últimos vinte e dois dias do governo Jango, ou seja, do dia 10 ao dia 31 de março de 1964, sendo que como o Golpe de Estado dado pelos militares ocorreu no dia 31 de março e, portanto, sendo noticiado somente no dia 1º de abril, analisamos os jornais deste dia e do dia seguinte ao Golpe que depôs o presidente João Goulart.

Acreditamos que a análise comparativa entre os jornais Diário de Notícias e Última Hora e a comparação destes com a bibliografia histórica do período é importantíssima na compreensão da luta ideológica travada pelos setores favoráveis a João Goulart e os setores de oposição na sociedade gaúcha de então. Pois interessa-nos compreender como e em que escala os setores conservadores associados à burguesia nacional conseguiram manipular a sociedade e criar as bases que possibilitarem o Golpe de 1964. Buscamos uma resposta na análise dos referidos jornais, porém conscientes de que a amostragem destes não reflete necessariamente a opinião da sociedade gaúcha como um todo, porém, servindo como parâmetro de como os principais setores da sociedade porto-alegrense pensava e entendia o governo João Goulart.

2 O pano de fundo do governo Jango

O governo Goulart iniciou de forma bastante controversa no dia 7 de setembro de 1961. João Goulart assumiu a presidência com poderes diminuídos, pois se tornou presidente num regime parlamentarista. A renúncia de Jânio Quadros, seguida de uma tentativa de Golpe de Estado pelos militares – que foi frustrada pela Campanha da Legalidade liderada por Leonel Brizola – geraram um clima de instabilidade política. Diante desta situação instável, o Congresso adotou uma “solução de compromisso” (FAUSTO, 2007, p. 443) para evitar um Golpe de Estado e uma possível Guerra Civil, o Congresso aprovou a mudança no sistema de governo brasileiro, passando do sistema presidencialista para o parlamentarista.

Desse modo, o parlamentarismo, proposto por muitos como fórmula capaz de dar maior flexibilidade ao sistema político, entrou em vigor pela porta dos fundos. Utilizado como simples expediente para resolver uma crise, não poderia durar muito, como de fato não durou. (FAUSTO, 2007, p. 443).

Nas palavras de Caio Navarro de Toledo “o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signo do Golpe de Estado” (TOLEDO, 1982, p. 7), ou seja, quando tomou posse, Jango, já havia enfrentado uma tentativa de deposição mesmo antes de assumir a presidência e durante seu governo conviveu com a sombra conspiratória.

Essa conspiração anti-Jango, era explicada pela temeridade, por parte dos setores conservadores da sociedade brasileira, de um governo populista ao estilo getulista ou de que Goulart promovesse a construção de uma República Sindicalista de moldes peronista. Estas acusações, porém, tinham fundamento, pois estavam amparadas na experiência de João Goulart como Ministro do Trabalho de Getúlio Vagas. Neste ministério, João Goulart, promoveu a aproximação do governo Vargas com o proletariado, inclusive sendo o mentor do aumento do salário mínimo em 100% ainda durante o governo de Getúlio Vargas, o que fez com que a oposição respondesse com forte oposição ao seu nome (FAUSTO, 2007, pp. 413-415).

Quando João Goulart assumiu a presidência, os setores agrários e as oligarquias regionais, tradicionalmente anti-getulistas, ficaram automaticamente na oposição direta ao governo. Porém, conforme passava o tempo, outros setores da burguesia – comercial e industrial – passaram para a oposição, o que causou a surpresa dos intelectuais que faziam parte do governo Goulart, pois estes acreditavam que a burguesia eminentemente urbana estaria satisfeita com as transformações propostas pelas reformas que Goulart promoveria. Até mesmo a Igreja Católica colocou-se contra o presidente João Goulart. Mesmo que alguns setores da Igreja apoiassem declaradamente as reformas propostas pelo presidente, a cúpula hierárquica católica era contrária às políticas “comunistas” de Jango.

Quanto aos militares, que foram em parte os derrotados de 1961, estavam em estado de alerta. A Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em agosto de 1949, e que tinha a missão de capacitarem militares e civis para “exercer funções de direção e planejamento na segurança nacional” (FAUSTO, 2007, p. 452). Tinha, nos anos 1960, a convicção de que “só um movimento armado poria fim à anarquia populista, contendo o avanço do comunismo” (FAUSTO, 2007, p.153).

Mas o parlamentarismo durou somente até janeiro de 1963, quando através de um plebiscito popular, o regime presidencialista venceu o parlamentarismo . Graças a esta vitória, João Goulart pôde governar sem a intermediação do Congresso, além disso, a vitória popular de Jango o fortaleceu e calou temporariamente a oposição. Aproveitando-se disso, Goulart lançou o Plano Trienal, de autoria do ministro Celso Furtado, porém, o Plano logo fracassou levando a situação a agravar-se novamente.

Foi então que João Goulart passou a empunhar a bandeira das Reformas de Base – reforma agrária, fiscal, bancária, eleitoral, universitária, etc. (TOLEDO, 1997, p. 35).

As reformas se impunham para atenuar as tensões sociais acumuladas que se expressavam através de conflitos visíveis e latentes. O caso da reforma agrária era exemplar. Era preciso aumentar a produção de alimentos, de matérias-primas para a indústria e criar no campo um mercado para bens manufaturados. Mas, principalmente, era preciso evitar a convulsão social. (TOLEDO, 1997, pp.35-36).

Fica claro, aqui, que as propostas de João Goulart não eram revolucionárias, pois atendiam às necessidades de desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro. Porém, PSD e UDN, representando os interesses dos grandes proprietários rurais e de expressivos setores da Igreja Católica, negaram apoio a qualquer emenda constitucional que viabilizasse a reforma agrária proposta pelo governo. Com esta decisão, o Congresso Nacional demonstrava que o caminho das reformas seria difícil e tormentoso. (TOLEDO, 1997, p.36)

Entretanto, se isto explica as motivações e a adesão dos setores conservadores – ruralistas, latifundiários, etc. – da sociedade brasileira à oposição, não explica como a sociedade como um todo, especialmente a burguesia nacional, aceitou este discurso anti-getulista e de oposição a Jango.

Mas e quanto à mídia impressa gaúcha? Como dois dos principais jornais do Estado no período – Diário de Notícias e Última Hora – se posicionaram? Sendo que ambos os jornais enquadravam-se no gênero jornalístico opinativo (BONINI, p. 213), pois divulgam notícias com a opinião do jornal declaradamente expressada no texto. É sabido que os dois jornais representavam diferentes segmentos da sociedade gaúcha e, portanto, tinham pontos de vista distintos sobre o governo do gaúcho João Goulart.

O jornal Diário de Notícias era integrante do grupo Diários Associados, fundado por Assis de Chateaubriand, o Chatô. Chateaubriand era inimigo político de Getúlio Vargas, o que, portanto, fazia do jornal um natural opositor do governo Jango (RÜDIGER, 1993, pp. 60-65). Este jornal era a voz das classes conservadoras na sociedade gaúcha.

Já o jornal Última Hora , fundado por Samuel Wainer no Rio de Janeiro, mas que tinha uma versão de circulação nacional que era complementada por suplemento regional em Porto Alegre. Foi fundado para servir de respaldo ao getulismo junto à opinião pública. Segundo o próprio Samuel Wainer, seu objetivo era romper com "a formação oligárquica da imprensa brasileira e dar início a um tipo de imprensa popular e independente" (RÜDIGER, 1993, p. 65). Ao contrário do Diário de Notícias, a Última Hora era um representante do populismo no Rio Grande do Sul. Tratava-se de uma empresa privada de caráter nacionalista que defendia as políticas de industrialização e de fortalecimento do capitalismo no país.

O problema que levantamos e procuramos responder neste artigo é como a mídia impressa do Rio Grande do Sul respondeu a crise que culminou no Golpe de 64. A ênfase de nosso artigo recai sobre o olhar conservador da cidade, ou seja, principalmente sobre o jornal Diário de Notícias, porém, em contraponto com o jornal Última Hora.

Por tratar-se de análise de textos, o referencial teórico será o da Análise do Discurso e os autores selecionados foram Raoul Girardet (1987) e Eni Puccinelli Orlandi (1993).

3 O Olhar da Mídia Porto-Alegrense

Analisamos dois temas que acreditamos serem os mais pertinentes nos últimos dias do governo João Goulart e que tiveram ampla cobertura da mídia gaúcha: as reformas pronunciadas no comício da Central do Brasil (reforma agrária e encampação das refinarias) e o confronto oposição/defesa à liderança e legitimidade de João Goulart como presidente do país.

Iniciamos nossa análise pelo dia 10 de março de 1964.

Quando os comunistas advogam a convivência pacífica com os católicos, procedem exatamente como o leão solto no rebanho das gazelas. Não devora todas ao mesmo tempo, e as que são poupadas iludem-se, acreditando que acompanham um amigo. (DIÁRIO DE NOTICIAS, 10/03/64, p. 1).

O editorial do jornal Diário de Notícias deste dia, o primeiro que analisamos, é cheio de simbolismos, pois o editorial faz uma associação entre uma notícia do PRAVDA – órgão oficial do Partido Comunista Russo – pregando o ateísmo à outra notícia do dia que falava sobre padres e bispos brasileiros que apoiavam a legalidade do Partido Comunista no Brasil. Na mesma edição, o jornal afirma que o comício do presidente João Goulart na Central do Brasil será promovido pelo partido comunista. É importante lembrar que neste momento o mundo vive o clima da Guerra Fria e, no campo internacional, o Brasil adotou a Política Externa Independente, não se alinhando aos Estados Unidos. Também é importante que neste momento, o medo do comunismo é muito forte na sociedade brasileira e o Diário de Notícias associa o comunismo à figura do presidente.

O tema da conspiração maléfica sempre se encontrará colocado em referência a uma certa simbólica da mácula: o homem do complô desabrocha na fetidez obscura; confundido com os animais imundos, rasteja e se insinua; viscoso ou tentacular, espalha o veneno e a infecção (GIRARDET, 1987, p. 17).

O Diário de Notícias associa o comunismo ao maligno, e associa a figura do presidente a este maligno. Ao afirmar que o comunismo é anti-católico, indiretamente está afirmando que o presidente também o é. Esta prática será muito utilizada no discurso do Diário de Notícias como veremos nas manchetes e nos editoriais do jornal.

Por outro lado, o jornal Última Hora, do mesmo dia, estampa em sua capa de circulação nacional a manchete “Jango: revolução financeira para o progresso do Brasil” o jornal saúda a iniciativa do presidente, inclusive afirmando que “o presidente teve uma recepção triunfal por parte dos estudantes da Universidade do Brasil” (UH, p. 1) para quem ele liberou uma verba de 1 bilhão e 500 milhões de cruzeiros. Ao contrário do Diário de Notícias, a Última Hora refere-se ao presidente João Goulart com otimismo, utilizando expressões como “progresso” e “recepção triunfal”, exaltando a pessoa do presidente.

No dia 12, o Diário de Notícias dá a seguinte manchete “Organismos Espúrios Comandam a Desordem”, a manchete era em referência ao título do manifesto das Classes Produtoras do Rio Grande do Sul que afirmava que “A causa principal dos males reside no desvirtuamento da autoridade civil, que faz o jogo da investidura totalitária, transigindo ostensivamente com os comunistas”. O editorial do mesmo dia afirma que as Reformas de Base são extremante perigosos para a ordem social, “desde Lênin, o lema predileto da demagogia bolchevista tem sido retalhar e distribuir ao povo grandes propriedades territoriais” (DN, p. 4).

Já o editorial do Diário do dia 13 de março, dia do comício da Central do Brasil, referindo-se à eleição de Ranielli Mazzilli, aliado de João Goulart, à presidência da Câmara que:

O enfraquecimento do Congresso num momento em que o presidente da República já fala em ‘instituições caducas’ – paráfrase daquele dístico getuliano: ‘voto não enche a barriga de ninguém’ – é um fenômeno alarmante para os democratas. Qual o preço que o Sr. João Goulart pagou por essa vitória na Câmara? Nenhum. Veio-lhe gratuitamente às mãos. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 13/03/64, p. 4).

Novamente, o discurso do Diário de Notícias associa a imagem do presidente ao totalitarismo e ao comunismo, o que, como veremos, será uma prática corriqueira do jornal. Porém, o que mais chama a atenção na edição deste dia é a manchete principal “Quase Metade do RGS está Sujeita à Desapropriação” e no corpo da notícia afirma que “nada menos que 41,9% das terras do RS são desapropriáveis”. Não por coincidência a notícia estampa o jornal no dia em que o presidente da República, João Goulart, faria seu pronunciamento lançando a SUPRA – Superintendência da Reforma Agrária –, que declarava sujeitas a desapropriação propriedades subutilizadas com mais de cem hectares e que fizessem limite com estradas ou ferrovias federais, ou seja, certamente não formavam 41,9% das terras gaúchas, mas o jornal inspirava o medo do fantasma comunista, que na opinião deste jornal se tornava mais real do que nunca.

Um artigo publicado na página 4 do Diário de Notícias simboliza o sentimento conservador da direita gaúcha sobre os movimentos políticos de João Goulart, “enquanto o movimento subversivo se alastra pelo país a fora, com o evidente objetivo de substituir as instituições vigentes por uma República sindical totalitária”. Este mesmo artigo pedia aos militares para que deixassem de ser “apáticos” e se posicionassem contra Jango. Noutro artigo do dia era exposto o medo de um novo Golpe de Estado nos moldes do golpe dado por Getulio Vargas e que dera origem ao Estado Novo em 1937.

Já no jornal Última Hora do mesmo dia, o articulista José Mauro, afirma “decreto da SUPRA: vitória do povo” (UH, p. 3) e completa a coluna escrevendo que a oposição conservadora representada pela UDN e PSD já estava se organizando para barrar a aprovação da SUPRA no Congresso. A manchete de capa do jornal Última Hora destaca “Exército garante povo no comício da reforma” e no corpo da notícia declara

Mais uma vez o povo, em geral, e as classes trabalhadoras, em particular, irão hoje a praça pública para defender as reformas sem as quais o Brasil não poderá avançar no caminho da emancipação e do progresso (ÚLTIMA HORA, 13/03/64, p. 1).

Sobre a participação do Exército, a mesma notícia afirma que

(...) é que o povo terá a protegê-lo as Forças Armadas nacionais. O governador Lacerda e seus cúmplices tudo fizeram para criar em função do dia de hoje uma atmosfera de terror. Mas nada podem esses agitadores contra as Forças Armadas, escudo da lei e da ordem, expressão mais alta da soberania popular(ÚLTIMA HORA, 13/03/64, p.1).

Este dia, 13 de março, foi o que as divergências entre os dois jornais se mostraram mais claras. As diferentes posições ideológicas são demonstradas na simples comparação dos textos. Enquanto o Diário vê o movimento presidencial como um complô golpista, o jornal Última Hora exalta o ato por envolver a participação do “povo, em geral, e as classes trabalhadoras”. Enquanto o primeiro cria um discurso sobre a gestação do iminente golpe presidencial, o segundo exalta a segurança que o Exército irá garantir contra “Lacerda e seus cúmplices”, ou seja, para o jornal a Última Hora, os golpistas são Lacerda, governador da Guanabara, e “seus cúmplices” e não o presidente.

Segundo Raoul Girardet, o mito da conspiração maléfica, que é natural no imaginário popular de qualquer sociedade, necessita de um contra-complô (1987, p.60), ou seja, ambos os jornais afirmam que o outro lado é o lado maléfico. O outro é sempre o lado que está preparando o golpe para a tomada do poder, portanto, ambos os jornais clamam para que seja preparado o contra-Golpe.

O dia seguinte ao comício da Central do Brasil, após a população gaúcha assistir pelo rádio e pela televisão aos pronunciamentos de Jango, Brizola e outros, o Diário de Notícias estampou a manchete “Encampadas todas as Refinarias” em alusão a estatização das refinarias pela Petrobras. Noutra notícia de capa, o jornal afirma que “Impeachment de Jango marcará abertura dos trabalhos no Congresso”. Em referência ao comício, o editorial do Diário afirma que os “foguetórios de uma turma de energúmenos” que assistiram ao presidente e seus partidários. E segue afirmando que o presidente e seus seguidores pretendem “tumultuar a vida dos campos, complementando, desse modo, a anarquia das cidades”, e prossegue afirmando que
o decreto SUPRA, insistimos, não passa de uma manobra de aliciamento político, destinada a concentrar nas mãos dos validos de copa e cozinha da República a maior soma de poder jamais vista neste país. Uma demagogia criminosa (...) Um clamoroso atentado contra a estrutura social e econômica do Rio Grande (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 14/03/64, p. 4).

Ao falar em perda de propriedade e encampação de empresas privadas, o jornal trabalhava o temor de um eminente regime totalitário-comunista que, segundo o jornal, estaria se instalando no seio do país. Esse tema será importante para incluir a classe média, principalmente os católicos, na oposição ao governo de Jango.

Em contrapartida, a Última Hora estampa na capa “O povo com Jango, começa a reforma”, o jornal saúda a iniciativa de Jango e cita que “foi o maior comício da História do Brasil”. Como ocorrera com Vargas, o jornal associa a figura do presidente Goulart com a imagem do povo. O jornal é cheio de fotos do comício, fotos onde aparecem as massas eufóricas saudando o presidente.

É importante salientar que desde seu anúncio, o comício da Central do Brasil, mobilizou o movimento sindical, o proletariado, os movimentos estudantis e as esquerdas, “mas acirrou os ânimos da direita” e “uma classe social poderosa mobilizou-se contra as reformas de Goulart: os capitalistas” (FERREIRA, 2003, p. 382).

A partir do dia 13 de março, uma sexta-feira 13, “o conflito político entre os grupos antagônico se redimensionou” (FERREIRA, 2003, p. 400) e o mesmo pôde ser percebido no discurso dos dois jornais.

No domingo, 15 de março, o Diário de Notícias estampa em sua capa “Parlamentares sugerem medidas radicais contra o presidente”. Em outra notícia de capa citam “Lacerda: Goulart já não sabe o que faz”.

Com isso, o Diário de Notícias passa a alternar, conforme o dia, manchetes em que o presidente estaria tramando um golpe de Estado para obter mais poder político, com notícias que sugerem a falta de comando do presidente. Esta sobreposição de notícias leva a uma confusão no leitor, e faz parecer que o governo estava imerso em um grande caos.

O fato de os decretos das desapropriações e das encampações não terem, de logo, provocado agitações dos ‘sem terra’ ou de pelegos sindicais, não deve ser tomado como sinal de que as coisas poderão, afinal, acomodar-se ou que talvez se tivesse feito barulho em demasia em torno de medidas aparentemente inocentes do governo federal. (...) A absorção das refinarias nas mãos dos comuno-nacionalistas e sindicalistas. (...) Terá a nação, terão o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, terão as correntes democráticas e cristãs capacidade de reação contra (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 15/03/64, p. 4).

O editorial do Diário de Notícias critica as desapropriações e encampações, chamando a sociedade gaúcha para a reação, onde novamente se refere a “absorção das refinarias nas mãos dos comuno-nacionalistas e sindicalistas” (DN, p.1). Já a Última Hora declara apoio às medidas de Jango, dedicando a isto uma coluna inteira onde detalha todo o decreto de encampação das refinarias, inclusive publicando na íntegra o decreto presidencial, que deixa claro que a encampação das refinarias atendia a política nacionalista de seu governo.

É curioso que, neste mesmo dia, os dois jornais publicaram uma nota da Petrobras onde esta saúda “ao povo gaúcho” pela conquista popular, referindo-se à encampação das refinarias.

No dia 17, é publicada na capa do Diário de Notícias uma nota da FIERGS que afirma “apreensão diante das medidas que vêm sendo tomadas” pelo presidente. Já o editorial do Diário de Notícias fala do comício de Jango como a mais Extemporânea das manifestações totalitárias de que há notícia. Extemporânea e ilegal, pois começou pelo solene desprezo do que leis e regulamentos claramente prescrevem (...) no comício falou-se mais ou menos em português, mas o recheio foi russo (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 17/03/64, p. 4).

Novamente, o governo Jango era associado ao totalitarismo e ao comunista.

O jornal Última Hora do mesmo dia estampa em sua capa “Oposição em desespero: derrubar Jango antes da reforma”:


Quem lesse o noticiário de ontem, diria que a Nação foi coberta por uma cortina de pânico. Não é verdade. Quem está em pânico é uma ínfima parcela da população. Ínfima, mas poderosa, e que, pelos seus imensos recursos de divulgação e pressão, procura, como o sapo da fábula, parecer elefante, representando todo o país (ÚLTIMA HORA, 17/03/64, p.1).

No dia 20 de março o editorial do jornal a Última Hora refere-se à Marcha da Família com Deus pela Liberdade como uma tentativa de golpe contra as reformas anunciadas pelo presidente, tendo a clara manchete “Revolução contra as Reformas” (UH, p.1). Já o Diário de Notícias exalta a Marcha da Família com Deus pela Liberdade afirmando em seu editorial que
Estamos vivendo momentos de indisfarçável gravidade. A sensação do perigo está em todos os espíritos. E o fato de as forças democráticas se verem na contingência de sair às ruas para defender o regime, é uma amostra de que, continuasse a omissão, os totalitários já teriam sepultado a democracia brasileira. Felizmente esta possui vitalidade para sobreviver mesmo aos maiores embates – conforme se posicionou em Minas e São Paulo (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20/03/64, p. 4).

É importante frisar que enquanto um dos veículos de comunicação associa o presidente como sendo o ser maléfico e golpista (GIRADET, 1987, p.17), o outro jornal faz a mesma associação à oposição. Ambos referem-se ao opositor como sendo o usurpador e o antidemocrata. O Diário acusando Jango de comunista e a Última Hora acusando a direita de promover o caos social e desestabilização do regime. Ambos identificam a oposição como uma representação do mal, “o Mal apreendido como simples e exata inversão do bem, o tema não se limita, para dizer a verdade, à exploração do exclusivo domínio do imaginário político” (GIRARDET, 1987, p.62).
Curiosamente a manchete do Diário de Notícias do dia 22 de março diz “Unidos contra o golpe seis grandes Estados” se referindo aos Estados de São Paulo, Guanabara, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Esta manchete é uma inversão de papeis, pois os referidos Estados, que foram coniventes com o Golpe em 31 de março, eram aqui expostos como unidos contra um suposto golpe de Jango. Notícia semelhante está no dia 24 de março onde o jornal dá a manchete de que “Jango sonda o Congresso para o golpe na Constituição”. No editorial intitulado “o Velho e o Moço”, sendo Getúlio Vargas, o velho, e o João Goulart, o moço:

Democracia? Constituição? Partido? Congresso? Tudo isso nada vale para o moço (...) Por isso, o moço sempre considerou tais palavras como peças de máquina de espoliação (...) O moço tem um território místico onde cultiva com respeitável sinceridade o que ouviu do velho. Infelizmente, para todos, o moço não conheceu bem o velho (...) Será possível corrigir o moço – que já não é tão moço – o astigmatismo que adquiriu por contágio ao velho (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 24/03/64, p. 4).

O editorial do Diário do dia 26 de março afirma que “nesses tempos modernos em que uma facção soviética se apoderou do comando nacional” (DN, p. 4). E numa coluna não assinada afirma que “os dias de imprensa livre estão contados”, pois “a Voz do Brasil (...) já não é mais um simples noticioso da Agência Nacional: entrou no padrão DIP, ao velho estilo estado novista” (DN, p.4). Novamente é feita a associação entre João Goulart e o Estado Novo de Vargas.

No dia 27 de março, uma Sexta-Feira Santa, o Diário de Notícias faz um apelo aos cristãos do Rio Grande do Sul que a mística desta data sagrada para a cristandade ilumine todos nós que livre nascemos (...) Cristo subiu ao Gólgota pela redenção da criatura humana. Inspiremos-nos no exemplo do mestre: estejamos prontos para dar a vida pela liberdade, porque à servidão a qualquer forma de ismo é preferível o sacrifício supremo (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27/03/64, p. 4)

No dia 29, o editorial aconselha: “Inspiremo-nos no grande mestre: arrestemos com a morte, se necessário, na luta contra os anti-Pátria, por amor ao Brasil” e prossegue “criaram o Leviatã, a alternativa é uma só: ou ele ou nós”. Para o Diário de Notícias o golpe estava legitimado pela própria ação presidencial.

São simbólicas as edições dos dois jornais em 1º de abril de 1964, dia seguinte ao Golpe Civil-Militar, enquanto o jornal Última Hora trata deste acontecimento com pesar e tristeza, e clama pela legalidade, o Diário de Notícias exalta o ocorrido com a seguinte manchete “Minas se levanta contra Jango” e no corpo da notícia exalta a figura do general Mourão Filho, “um herói da II Guerra Mundial” (DN, p. 1). A Última Hora dá a manchete de “Sublevação em minas para depor Jango” e atribui uma frase ao presidente João Goulart: “O Golpe está condenado”. Enquanto o Diário de Notícias fala em levantar-se contra Jango a Última Hora fala em Golpe de Estado e clama pela legalidade.

No editorial o Diário de Notícias, este afirma que “a nação não tinha alternativa” e prossegue afirmando que:

O comício de sexta-feira, 13 de março, já fora suficientemente claro. Exibia, com nitidez diáfana, intenções liberticidas, até então apenas suspeitas (...) O motim naval da quinta-feira santa era o desafio aberto. Levava os quartéis a mazorca vestida de reformista. Apunhalavam-se as Forças Armadas no que elas têm de fundamental e intocável: a hierarquia e a disciplina (...) O show no Automóvel Clube foi a gota final (...) a legalidade estava irremediavelmente golpeada (...) Criado o monstro num impulso passional próprio do nosso povo generoso e fiel aos ideais de liberdade, cumpria agora, corrigir o erro fatal (...) Saibamos ganhar a vitória, a fim de que o triunfo sobre as forças totalitárias não se converta num melancólico 1º de abril. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1º/04/64, p. 4).

Quando o Diário de Notícias se refere à destituição de João Goulart como um “triunfo sobre as forças totalitárias”, fica claro como o Golpe de 64 foi recebido pelos setores conservadores da sociedade gaúcha. Ao posicionar-se contra o governo João Goulart, o Diário de Notícias apelava para o temor do totalitarismo e do comunismo, mas é curioso que este mesmo órgão apoiou um regime ditatorial militar de direita. No discurso defendia a democracia, mas ideologicamente posicionou-se ao lado dos golpistas que pulverizaram o mesmo regime democrático que afirmavam defender. Enquanto no discurso diziam-se democratas e favoráveis ao respeito às leis, na prática foi golpista e contrária a legalidade.

Já o colunista Paulo Francis, do jornal Última Hora, afirma que o presidente João Goulart compreendeu perfeitamente a missão histórica que desempenha, seu mandato já não é seu, mas uma bandeira de aspirações nacionais. O político populista de ontem tornou-se o agente histórico de hoje. A mensagem das reformas é irretocável, aconteça o que acontecer agora. (...) O Golpe está ai, repito, mas não será dado por telefone, pela divulgação em massa do terror ideológico. Pode-se enganar todo o povo parte do tempo, mas não todo o povo todo o tempo (ÚLTIMA HORA, 1º/04/64, p. 4).

Pelo discurso, Paulo Francis parece convocar o povo e as esquerdas para a resistência, porém, esta não aconteceu.

A edição nacional do jornal Última Hora do dia 02 de abril, descreve o atentado sofrido pela sede do jornal, no Rio de Janeiro, que foi depredada e incendiada: “Toda a frota de reportagem destruída a bala e a fogo”, ao lado desta reportagem consta uma nota de João Goulart solicitando ao povo gaúcho que não se sacrifique. E segue com o agradecimento de Leonel Brizola:

Encerramos aqui a “Rede da Legalidade” agradecendo a todo o povo gaúcho e brasileiro que compareceu em massa a sede da Prefeitura de Porto Alegre para resistir contra os golpistas. Fizemos tudo para manter a legalidade (ÚLTIMA HORA, 02/04/64, p. 1).

Assim, de forma melancólica, encerrava-se o governo João Goulart.

4 Conclusão

Raoul Giradet (1987, p.17) afirma que o tema da conspiração maléfica sempre se encontrará colocada em referência a “uma certa simbólica da mácula”, ou seja, no caso de João Goulart, seus opositores necessitavam associá-lo a algo que a sociedade temesse, por isso a insistência em associá-lo ao comunismo ou a um usurpador, criando a imagem de que ele iria utilizar-se do expediente golpista para criar um regime totalitário.

Aparentemente, estas acusações não faziam sentido, pois Goulart não possuía a força política que seus inimigos faziam parecer que ele tinha. Mas, segundo Eni Puccinelli Orlandi (1993), “do sem-sentido se faz novo sentido através da mudança do discurso (...) o discurso fundador é aquele que constrói um novo imaginário social” capaz de gerar novos significados sobre a realidade representada, porém, não se fazendo sozinho, mas sendo construído (ORLANDI, 1993, p.11-25). Uma das estratégias dos opositores de Goulart foi o de construir um discurso que desqualificasse a pessoa do presidente retratando-o como hesitante e desequilibrado, e, ao mesmo tempo, associando-o a algo que a sociedade como um todo temesse, ou seja, associando-o ao comunismo ou, nas palavras do próprio Diário de Notícias, a um “anti-Pátria”. Como a maior parte da sociedade gaúcha era temerosa do comunismo e não desejava o retorno de um regime totalitário, os opositores de Jango investiram, com sucesso, nesta associação. Além disso, a associação da imagem de Jango com o comunismo o afastava das classes médias e dos setores progressistas da Igreja.

Não restam dúvidas de que a cobertura do Diário de Notícias, neste período, era de conspiração ao regime democrático. Porém fazendo parecer que eles – Diário de Notícias – eram os defensores da liberdade e da democracia, enquanto que o presidente e seus partidários eram descritos como conspiradores que iriam acabar com a democracia no país. Segundo Girardet, essa inversão nos papéis era necessária, pois somente quando o outro é associado à representação do mal, é que se pode assumir o papel do salvador (GIRARDET, 1987, p. 62).

Por outro lado, o jornal a Última Hora, como um veículo de informação partidário do populismo e aliado aos interesses da burguesia urbana, defendia o regime com unhas e dentes, pois era sem dúvida um dos beneficiados com o regime de Goulart. Para a defesa de Jango, utilizava das mesmas ferramentas que o jornal opositor, ou seja, inspirava o medo do golpismo. Não era, portanto, um defensor da legalidade como se dizia ser, mas era, isso sim, defensor dos seus próprios interesses.

Mas e como explicar as mudanças na sociedade porto-alegrense e seu posicionamento em relação aos diferentes discursos da mídia?

Os quase três anos passados entre a posse de João Goulart e o Golpe de 64, nos deixam a nítida impressão de que a burguesia nacional, não era tão nacionalista quanto João Goulart acreditava. Pois, como afirma Caio Navarro de Toledo, “o nacionalismo da burguesia brasileira sempre teve uma caráter pragmático” (1982, p. 117), ou seja, dependendo das circunstâncias e das suas conveniências a burguesia brasileira se opõem ou se associa ao capital internacional. Quando percebeu a crise econômica desencadeada pelo fracasso do Plano Trienal e com a Lei de Remessas de Lucros, a burguesia voltou-se contra o governo que criara tais medidas. Ao mesmo tempo, a crise desencadeara um avanço político-ideológico das classes populares e trabalhadoras. O crescimento progressivo da politização e da atuação das classes populares fez com que os setores da direita conservadora explorassem o medo de que a solução popular não passasse por uma solução burguesa, mas que fosse buscada na radicalização do movimento (TOLEDO, 1982, p. 119-120). Por outro lado, o presidente sem apoio dos setores dominantes da sociedade brasileira, buscou nas classes populares o seu aliado, numa tentativa de reforçar o populismo, o regime democrático e a luta pela legalidade.

Neste contexto, os dois jornais porto-alegrenses aqui analisados eram representantes destas formas distintas de pensar a política brasileira. O Diário de Notícias, representante das camadas conservadoras, combatia o regime com todos os argumentos possíveis e, por outro lado, o jornal Última Hora, defensor da política populista-nacionalista, apoiava o regime em vigor, pois era temerosa do que enfrentaria no caso da derrota do regime democrático, como de fato ocorreu, pois poucos meses depois do Golpe de 64, o jornal fechou as portas.


Referências Bibliográficas

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FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática – da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

IANNI, Octávio. O Colapso do Populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.

ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Discurso Fundador: fundação do país e a construção da identidade nacional. Campinas: Pontes Editores, 1993.

ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de Conteúdo: Aproximações na (re)construção de uma trajetória. Disponível em: . Acessado em 26 de out. de 2008.
RÜDIGER, Francisco. Tendências do Jornalismo. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993.

TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964: Visões Críticas do Golpe: democracia e reformas no populismo. Campinas: Ed. UNICAMP, 1997.

TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. 10ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

HISTÓRIA DE PACOTI - CEARÁ

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